Intervenção Fonoaudiológica no Paciente Crítico com Covid-19

O Covid-19 é uma doença infecciosa respiratória aguda, potencialmente grave e de elevada transmissibilidade e de distribuição global. A progressão grave da doença pode resultar em um número elevado de adultos em cuidados intensivos com exigência de ventilação mecânica. A intubação orotraqueal está intimamente associada ao risco de disfagia pós-extubação, agravando o risco de aspiração e gerenciamento de secreções. Objetivo: realizar um levantamento da literatura sobre a atuação do fonoaudiólogo em pacientes com COVID-19 que evoluíram para ventilação mecânica invasiva. Métodos: trata-se de uma revisão da literatura realizada nas bases de dados Scielo, PubMed, LILACS e MedLine, incluindo estudos publicados entre os anos de 2019 e 2022. Resultados: nos estudos foi possível constatar o impacto da intubação orotraqueal na deglutição e comunicação dos sujeitos que evoluíram para estágio crítico da doença, além de constatar a importância do fonoaudiólogo para minimizar os riscos de pneumonia aspirativa e aumento de morbidade e mortalidade. Conclusão: O trabalho fonoaudiológico frente ao paciente com COVID-19 é indispensável na equipe multiprofissional, embora ainda seja pouco propagado, é um profissional fundamental na avaliação, diagnóstico e tratamento com intervenção precisa e direcionada.

FONOAUDIOLOGIA HOSPITALAR

Raí dos Santos Santiago, Alana Tagarro Neves, Gessandra Valéria da Silva Oliveira Malta, Carolina Fiorin Anhoque

12/4/20247 min ler

Intervenção fonoaudiológica no paciente crítico com COVID-19: revisão sistemática

O Coronavírus da síndrome respiratória grave (SARS-CoV-2) foi descoberto em Wuhan na china em janeiro de 2020. Desde então, o vírus se espalhou para todo o mundo e já afeta 210 países e territórios de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) até dezembro de 2021 (Ciotti et al., 2020)

Os coronavírus são grandes vírus de RNA de fita simples positivas e envelopados que infectam humanos e uma variedade de animais. Dentre os seus sete subtipos o SARS-CoV-2 pode causar doenças graves e fatalidades (Valevan & Meyer, 2020). Dentre as razões pela qual o vírus se espalhou tão rapidamente está pelo meio de transmissão por gotículas e pessoas que não apresentavam sintomas, dificultando assim o rastreamento e controle dos casos (Valevan & Meyer, 2020), (Jasti, NalleBalle, Dandu & Onteddu, 2021)

Pacientes com infecção pelo SARS-CoV-2 podem apresentar desde sintomas leves a graves. Os sintomas mais comuns relatados foram febre, tosse, dor de garganta, falta de ar, diarreia e fadiga (Torres-Castro et al., 2021). Os primeiros relatórios epidemiológicos mostraram que 8,2% dos casos graves apresentavam insuficiência respiratória rápida e progressiva, que incluíam destruição difusa do epitélio alveolar, formação de membrana hialina, dano capilar, proliferação fibrosa e consolidação pulmonar(Félix, Tavares, Almeida & Tiago, 2021). Dentre os casos relatados cerca de 2 – 3% dos pacientes positivos requereram ventilação mecânica invasiva e a incidência de lesão laríngea nas duas semanas após extubação foi de até 84%, enquanto uma avaliação tardia mostrou lesões em 8,2% dos casos (Chadd, Moyse & Enderby, 2021).

A partir da disseminação do vírus houve um aumento significativo no número de internações e de pacientes com prejuízos funcionais na comunicação e deglutição. O desenvolvimento de complicações decorrente da intubação Orotraqueal (IOT) são comuns e inclui traumas orofaríngeos e laríngeos, diminuição da sensibilidade do trato respiratório, alteração sensorial, refluxo gastroesofágico, incoordenação respiratória-deglutitória e fraqueza muscular (Kunigk & Chehter, 2007).

A disfagia surgiu como uma complicação frequente com estimativas de até 30% dos casos de covid-19 com risco de desenvolvimento de pneumonias broncoaspirativas. Desta forma, destaca-se a participação do profissional fonoaudiólogo como integrante da equipe de unidade de terapia intensiva (UTI), unidades de internação e na equipe de reabilitação a longo prazo (Frajkova, Tedla, Tedlova,Suchankova & Geneid, 2020).

Diante disso, o estudo tem como objetivo realizar uma revisão sistemática sobre a papel do fonoaudiólogo na reabilitação de pacientes críticos com COVID-19.

Metodologia

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura na qual tem por finalidade identificar, selecionar e analisar os dados dos estudos. Neste sentido, o presente estudo teve como pergunta norteadora: qual o papel do fonoaudiólogo na reabilitação de pacientes críticos com covid-19?

Para os critérios de elegibilidade foram considerados os estudos publicados nos últimos três anos nos idiomas português e inglês que apresentaram a prevalência de disfagia em pacientes submetidos a intubação mecânica prolongada e o papel do fonoaudiólogo no processo de reabilitação. Foram excluídos estudos que não contemplavam a temática “COVID” e “disfagia”, abordagem fonoaudiológica na população neopediátrica, capítulos de livros, trabalhos publicados em anais de congressos e aquele que não citavam o fonoaudiólogo.

A estratégia de busca foi realizada nas bases de dados Scielo, PubMed, LILACS e MedLine mediante consulta ao DEC’s (descritores de assunto em ciências da saúde) com os seguintes descritores: “covid-19”, “disfagia”, desordens da deglutição” e “fonoaudiologia”.

A figura 1 apresenta o fluxograma de seleção dos estudos seguindo a metodologia PRISMA (Preferred Reporting Items for Sistematic Reviews and Meta-analyses).

Resultados

A busca inicial na base de dados encontrou 64 artigos, resultando em 59 estudos que foram removidos após a leitura e apenas 5 para serem incluídos na revisão. Os estudos incluídos foram de delineamento coorte e transversal conduzidos no Brasil, Inglaterra e Irlanda. O número de participantes entre os estudos variou de 44 a 164 sujeitos e a média de tempo de IOT foi de 15 dias, sendo que mais da metade dos pacientes foram submetidos a traqueostomia. O quadro 2 apresenta alguns dos estudos que destacam o papel do fonoaudiólogo nos sujeitos acometidos pela COVID-19.

Discussão

A intubação orotraqueal é comumente usada na unidades de terapia intensiva em pacientes críticos para auxílio da respiração, entretanto apesar de seus benefícios podem trazer prejuízos significativos no processo de deglutição (Kunig & Chehter, 2007). A disfagia pós-intubação está relacionada ao tempo de ventilação mecânica e afeta negativamente ao retorno da ingesta oral e desospitalização. Em geral, a prevalência de disfagia orofaríngea em sujeitos num período de tempo superior a 48h de intubação é de até 56%(Frajkova et al., 2020, Kunigk & Chehter, 2007).

As alterações de olfato e paladar foi descrito como sintomas iniciais da COVID19 e desempenham um papel importante na iniciação e modulação da biodinâmica da deglutição orofaríngea e salivação, bem como no prazer e apetite durante as refeições, comprometendo a deglutição (Vergara et al., 2020).

Assim sendo, fica evidente a participação do profissional fonoaudiólogo junto da equipe multiprofissional. Sua atuação inicia-se após estabilidade clínica do paciente e da identificação de possíveis sequelas e possibilidade de alimentação por via oral, determinação de consistência, quantidade, postura e a necessidade de acompanhamento (Porto et al., 2020).

Estudo recente elaborado por Lima, Sassi, Medeiros, Ritto e Andrade (2020) que buscou identificar a incidência de disfagia em pacientes críticos extubados com COVID-19 comparando com pacientes não-COVID, concluiu que os sujeitos com COVID-19 permaneceram intubados por mais tempo e apresentaram maior incidência de distúrbios neurológicos. No entanto, os pacientes com COVID-19 precisaram de menos sessões de reabilitação da deglutição comparado ao outro grupo.

Estes mesmos autores em outro estudo desenvolvido observaram que a intervenção fonoaudiológica nos sujeitos com COVID-19 foi capaz de recuperar padrões seguros da deglutição e 83% dos pacientes necessitaram de pelo menos até 3 intervenções para sua recuperação (Lima, Sassi, Medeiros, Ritto & Andrade 2020).

O comprometimento respiratório, dispneia, é o sintoma persistente mais comum na COVID-19, variando de 42 a 66% de prevalência. Estima-se que pacientes que evoluíram para fase de maior gravidade, especialmente aqueles que necessitaram que ventilação mecânica não invasiva ou invasiva, estão em maiores riscos de complicações pulmonares a longo prazo, incluindo comprometimentos persistentes observado em tomográfica computadorizada, como fibrose pulmonar (Nalbandian et al., 2021).

Sabe-se que as sequelas respiratórias como fibrose pulmonar e apneia obstrutiva do sono estão intimamente associadas a incoordenação da deglutição e respiração, ocasionado em risco de broncoaspiração e disfagia. Pacientes em período de ventilação mecânica invasiva não tem indicação de acompanhamento fonoaudiológico, entretanto, necessitarão dessa avaliação e acompanhamento posteriormente para reabilitação das funções orais comprometidas (Freitas, Zica & Albuquerque 2020).

O profissional de saúde, como o fonoaudiólogo se torna indispensável no combate à pandemia, seja nas unidade de terapia intensivas ou unidades de internações, especialmente para manejo dos distúrbios de comunicação e deglutição, evitando quadros de pneumonia por aspiração e até mesmo reintubação (Sena, Branco & Farias 2022).

Estudo recente realizado por Archer, BSpPath e Gilpin (2021) verificou a ocorrência de disfonia e disfagia em pacientes críticos que evoluíram para IOT e traqueostomia. Nesse estudo foram avaliados 165 pacientes, sendo que 78,7% evoluíram para IOT e 52,4 teve traqueostomia. Após intervenção fonoaudiológica em média os pacientes iniciaram alguma ingesta oral após 2 dias e evoluíram com dieta oral exclusiva na alta, mas 29% daqueles com disfagia e 56,1% daqueles com disfonia permaneceram com prejuízos após alta hospitalar.

Rouhanieal., (2020) em seu estudo coorte investigou os impactos da traqueostomia na voz e deglutição de pacientes com média de IOT de 24 dias. Os autores verificaram que 53,7% eram disfônicos na análise perceptivo-auditiva e 30% relataram algum elemento de disfagia. Já no estudo desenvolvido por Regan et al., (2021) com 100 sujeitos, os autores observaram que 37% necessitaram de intervenção fonoaudiológica para reabilitação da deglutição e 20% para disfonia. Desses, a disfagia e disfonia persistiram em 27% e 37% dos casos após alta hospitalar (Regan et al., 2021).

Diante disso, fica claro que o trabalho do fonoaudiólogo frente ao paciente com COVID-19 é indispensável na equipe, embora ainda seja pouco propagado, é um profissional fundamental na avaliação, diagnóstico e tratamento com intervenção precisa e direcionada. A maioria dos estudos são revisões e comentários breves, por essa razão faz-se necessário a realização de maiores pesquisas com indicadores clínicos específicos para melhorar a quantidade de evidência sobre o papel do fonoaudiólogo na reabilitação de doentes críticos com COVID-19.

Considerações Finais

Diante do que foi exposto, fica evidente a participação do fonoaudiólogo na reabilitação de pacientes com covid-19, especialmente aqueles que evoluíram para fase crítica da doença submetidos a ventilação mecânica invasiva, podendo acarretar em prejuízos na comunicação e deglutição. O fonoaudiólogo deve investigar a biomecânica da deglutição e definir a melhor estratégia a ser adotada para reintrodução da dieta por via oral de forma segura.

Raí dos Santos Santiago, Fga. Alana Tagarro Neves, Gessandra Valéria da Silva Oliveira Malta, Carolina Fiorin Anhoque.